Em cada ano que passa, quando se chega a Julho - Agosto, começa a chegar às nossas caixas de e-mail uma apresentação em Powerpoint que em traços gerais afirma que
"Em Junho e Julho a Terra estará mais próxima de Marte e será a maior proximidade de que se tenha conhecimento entre estes dois planetas. Marte ver-se-á do mesmo tamanho que a Lua e poderá ser observado à vista desarmada.(..) Será algo que a humanidade nunca presenciou. Assim, registem no vosso calendário a observação de Marte durante o mês de Agosto e vê-lo-ão progressivamente mais brilhante e próximo da Terra dia a dia, durante todo o mês".
Esta apresentação, que todos os anos nos aparece, é acompanhada por imagens bonitas e sugestivas feitas pelo Hubble. Assume um "ar" que parece sério e convincente, que alguns podem tomar por verdadeiro. Mas a informação não é verdadeira!. Aquilo está tudo errado e todos os anos vem essa história. Vamos por isso desmontar essa farsa.
Nem Marte está nesta altura excepcionalmente mais perto da Terra, nem o seu diâmetro aparente poderia comparar-se, em semelhança, com o da Lua. Mas vamos aos factos e números.
Na melhor e mais favorável das hipóteses, o diâmetro angular de Marte, visto da Terra, é de 25", ou seja 25"/60=0,42'. Menos de meio minuto de arco! O diâmetro angular é também chamado diâmetro aparente.
O diâmetro aparente da Lua cheia é de cerca 0,5º=30'. (Oscila entre 29,5' e 33,5').
Ora, 0,42'/30'=0,0139=1/72. Ou seja, na hipótese mais favorável, o diâmetro aparente de Marte, visto da Terra, não excede 1/72 do diâmetro aparente com que daqui vemos a nossa Lua.
Como a percepção de área de céu coberto por um objecto é proporcional à sua área aparente, e esta é proporcional ao quadrado do diâmetro aparente, segue-se que a área aparente de Marte, visto da Terra, na mais favorável das hipóteses, será (1/72)2=1/5184 da área aparente com que vemos a Lua cheia.
Em conclusão, uma disparidade como, 1 para 5184 em área aparente (ou 1 para 72 em diâmetro aparente) não se pode chamar semelhança. Nem anda perto disso.
Em termos de brilho, a magnitude aparente da Lua cheia é mL= -12,7 e a de Marte, na situação mais favorável de proximidade possível é mM=-2,8. Utilizando a equação de Pogson para comparar os brilhos BL (para a Lua) e BM (para Marte), será:
BL/BM = 2,512 [-2,8-(-12,7)] = 2,5129,9 = 9124.
Ou seja, a Lua-cheia é, em brilho aparente) mais de 9000 vezes mais brilhante do que Marte na sua situação mais próxima da Terra.
Cansei-me de desmistificar numericamente esse disparate que todos os anos por aí circula. Se puderem, caros leitores do "Astronomia Q & A", transmitam esta informação justificativa a todos os vossos contactos, para que não acreditem mais nesta idiotice. Temos de acabar com tais disparates, que se propagam sem critério nem justificação.
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Guilherme de Almeida