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em Diversos por Stardust (360 pontos)

A origem do xadrez (de que sou um fervoroso adepto, e medíocre jogador) embora incerta, está coberta por uma bonita lenda, que revela, por um lado, a ignorância de uns, e por outro, o quão fantástico é esse jogo, fruto da inteligência criadora humana. É pois de inteligência, mas também de complexidade que falamos.

Muitos foram os matemáticos que se dedicaram ao estudo do xadrez, por exemplo, George Airy, e Alan Turing, mas foi Claude Shannon, que calculou, como sendo 10^123, o número de jogadas possíveis num jogo de xadrez, ora isso é, segundo algumas fontes, cerca de 260 bilhões de jogadas, que comparativamente aos 15 bilhões de anos da origem do universo, faz dele uma verdadeira criança, ou ainda, com um valor muito superior ao número de átomos do universo (calculado entre 4×10^78 e 6×10^79).

Matemática e xadrez andarão sempre de mãos dadas, estou em crer que também é possível que xadrez e universo estejam em sintonia, o big bang no xadrez corresponderá a X movimentos de abertura da partida, mas nesta lógica, a que corresponderá o Big Rip? Xeque-mate!? E o universo, no final da sua vida (é possível?) irá superar o xadrez em número de anos?

Obrigado

Chuva Vasco

1 Resposta

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por Galáctico (34.1k pontos)
editado por
 
Melhor resposta

A sua pergunta parece off-topic, num Fórum de astronomia, mas na verdade, vem bem a propósito. Na realidade eu nunca aprendi xadrez e muito menos o relacionei com o Universo. Porém, a sua questão é interessante. O Xadrez e a Astronomia têm pelo menos um factor comum: em ambos os casos estão em jogo números extremamente grandes.

PARTE 1

Na verdade 10^123, escrito por extenso, seria representado pelo número 1 seguido de 123 zeros, ou seja,

1 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 jogadas.

Sobre a nomenclatura dos grandes números, o bilião (na norma europeia) é 10^12. Assim sendo, e ainda na norma europeia 10^123 serão 10^(123-12) biliões, ou seja, 10^111 biliões. Muitíssimo mais do que 260 biliões.

Os valores estimados para a "duração de vida" (estabilidade) das partículas constituintes dos átomos ficam aquém daquele número fabuloso. Por exemplo, os protões são considerados como estáveis e a sua meia-vida observada empiricamente é de pelo menos 6,6 x 10 elevado a 35 anos.

No entanto, a sua pergunta cruza metafísica, física e imaginação. Associar o Big Rip (https://en.wikipedia.org/wiki/Big_Rip) ao xeque-mate é um exercício de imaginação ao qual não se pode atribuir fundamentação nem correspondência, mas a imaginação não tem limites.

 

PARTE 2

Outra questão do xadrez em que estão em jogo números muito grandes (números astronómicos na terminologia popular) é na lenda da origem do xadrez. Não se pode provar se aconteceu exactamente assim ou não, mas a história, em si mesma, é interessante.

Conta-se que o xadrez foi inventado por um rapaz muito inteligente, que depois de inventar o jogo o foi mostrar ao imperador  (ou ao senhor poderoso da sua região). Levou um tabuleiro e as "peças de xadrez", ensinou as regras do jogo ao imperador que, depois de alguns jogos com o jovem inventor, ficou deslumbrado com o invento.

O imperador perguntou então ao jovem o que ele quereria como recompensa por ter inventado aquele jogo fabuloso. O grande senhor imaginava que o jovem iria pedir ouro, pedras preciosas ou algo no género. Mas o rapaz disse apenas: "quero que me dê 1 grão de trigo pelo primeiro quadrado do tabuleiro, dois grãos pelo segundo quadrado, quatro grãos pelo terceiro, 8 pelo quarto, 16 pelo quinto e assim sucessivamente, sempre a duplicar, até chegar ao último  quadrado do tabuleiro de xadrez" (o quadrado número 64).

O imperador, quando ouviu isto, zombou do rapaz e deu-lhe a saber que ele estava a ser parvo, pois podia pedir muito mais (que o imperador estava disposto a oferecer de boa vontade) e afinal, na sua modéstia, contentava-se com uma "ninharia".

Meio a contragosto, o imperador chamou o chefe dos celeiros e ordenou: "dá a este rapaz o que ele está a pedir e manda-o embora!".

Pouco mais tarde, o chefe dos celeiros foi ter com o imperador, aflito, em desespero, com as mãos na cabeça. E disse "Senhor, fiz as contas ao pedido e nos nossos celeiros não há trigo suficiente para pagar a este rapaz. Nem com a produção do Império em 100 anos, toda para ele, lhe conseguiríamos pagar".

Não se sabe que desfecho teve e a história, mas isto dá conta do crescimento de uma progressão geométrica de razão 2, a começar em 1 e com 64 termos ["razão" é o quociente de dois termos sucessivos (an/an-1), que neste caso é igual a 2.

O número de grãos de trigo necessários para pagar ao rapaz é 264–1.  Convém saber que 264=1,8446744...x1019 e que subtrair 1 no final pouca diferença faz. Portanto, contemos com1,8446744...x1019 grãos de trigo.

Se imaginarmos (para simplificar) cada grão de trigo como uma esfera 3 mm de diâmetro, num metro cúbico de trigo haverá 3333 grãos, algo como 3,69 x 107 grãos. E em 10 000 metros cúbicos de trigo (104 m3) ainda só há 3,69x1011 grãos. Estamos ainda longe da quantidade necessária para satisfazer o pedido. De facto, para pagar ao rapaz, nesta nossa estimativa, seriam precisos

1,8446744...x1019 / ( 3,69 x 107 ) m3 de trigo, ou seja , arredondando, 5x1011 metros cúbicos de trigo!!!!! Que se podem escrever, por extenso, como 500 000 000 000 m3 de trigo! Não há celeiro que resista!

Para quem gosta de fórmulas, a soma Sn dos primeiros n termos de uma progressão geométrica de razão q, com o primeiro termo representado por a1, é dada por:

Sn a1 (qn –1) / (q – 1)

Nem sempre o que parece pouco à primeira vista é realmente tão pouco como parecia...

Sobre a localização geográfica da origem do xadrez veja-se:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_do_xadrez

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Como a sua pergunta incide essencialmente  no exercício da imaginação, não posso ir mais longe, mas provavelmente receberá mais comentários, vindos de outros utilizadores do Astronomia Q & A.

GA.

por Stardust (360 pontos)
editado por

Sim, falamos de números, de coisas inimagináveis, filosóficas, metafísicas, talvez até falemos demais sobre coisas que pela sua inefabilidade, nunca conseguiremos compreender, mas de facto é isso que nos move, ou não será? O xadrez é algo de fascinante, de uma complexidade impressionante e que nos espanta a cada momento, tal como o universo, o é. Encontramos num e noutro, uma constante confrontação, física, mental, ideológica numa relação consubstanciada para um objectivo. Um objectivo facilmente entendido no xadrez, mas completamente incompreendido no universo.

Numa partida de xadrez, quando se abre o jogo, cada jogador tenta posicionar-se da melhor forma, dominar o centro onde a partir daí toda a história se irá desenrolar, imagino também, que aquando da formação o universo, todas as partículas que de forma caótica existiam, se tenham organizado para a partir dali fazer nascer o que conhecemos, e desconhecemos, do nosso Universo.

O Big Rip, Big Crunch, Big Freeze, ou qualquer outro Big por nós escolhido, corresponderá a um fim, que no xadrez se consuma por um xeque-mate (# ou ++ em notação algébrica). Importa no entanto realçar que pelo caminho, entre uma coisa e outra, entre a origem e o fim, acontecem coisas, morrem peões, cavalos, bispos, etc. tal como também igualmente desaparecem estrelas, e galáxias. Por outro lado, podemos falar de gerações, na medida em que por exemplo as galáxias chocam originando bilhões de estrelas, e porventura novas galáxias, assim como as estrelas explodem dando lugar a belíssimas supernovas, etc., e no xadrez existe a promoção, onde caso se consiga fazer chegar um peão à última linha do adversário, então essa peça é transformada numa outra à escolha (e.g. c1D – peão promove dama), ou então, pode dar-se a captura (e.g. Txb6 - Torre captura em b6) dimuindo-se as peças em jogo.

Todos os dias no planeta Terra, se jogam partidas de xadrez, e consequentemente para além dos empates, muitos derrotas e vitórias existem, não as podemos contabilizar sem dúvida, tal como também é incomensurável a quantidade de colossais acontecimentos astronómicos a ocorrerem diariamente no nosso Universo

Já agora, para quem tiver interesse, eu jogo aqui: http://www.playok.com/pt/xadrez e o meu nickname é cxafonsino

Gostei muito das explicações que formulou, e dos números que apresentou, aliás, adoro maravilhar-me com a imensidão das coisas, e a propósito, eis uma representação gráfica do maior número primo até agora descoberto, também ela uma verdadeira obra prima.

https://www.flickr.com/photos/pbump/8448628322/sizes/o/in/photostream/

Obrigado

 

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